sábado, 23 de outubro de 2010

Contos malditos - 2.

O último beijo.
(Adriano Mariussi Baumruck).

Morri.Caso você esteja lendo esse relato, saiba que eu sucumbi ao peso das memórias e vontades que nunca se realizaram.O peso da sombra dos bons momentos fez com que eu resolvesse acabar com toda essa angústia particular.Todas as lembranças dos mementos maravilhosos que vivi com ela, jogam por terra minha vontade de seguir em frente.Prefiro desistir e acabar com tudo no auge dos sentimentos.Assim o fiz.
As memórias com certeza doem mais do que qualquer vontade.Elas são as vontades perdidas no tempo: já realizadas e que nunca mais voltarão.

As imagens que me tomam de assalto são bucolicamente simples e romanticamente aterradoras.Os bancos eram incrustados nas pedras e dessa forma descia uma seqüência de degraus.A sombra proporcionada pelas arvores altas, deixavam aquele lugar tranqüilo, afastado dos barulhos da rua.Eu e ela estávamos ali.A indecisão pairava, recobrindo a espera do inevitável.Hoje sei que esse “inevitável” era a tradução da dor que precederia todo aquele encanto.

Logo começamos a nos abraçar.Os beijos loucos; seu pescoço; seu cabelo... Tudo era inebriantemente belo.Nossas mãos paradas e entrelaçadas eram um rasgo no tempo que até então cismava em passar cada vez mais depressa.Naquele momento tudo parou. Seus olhos; nossos olhos nos olhando profundamente, decifrando cada angustia suprimida e nos jogando em novas perturbações;ou melhor, me jogando nessa armadilha.

Sei que essa reciprocidade que eu esperava, na verdade não existia.Isso talvez ocorreu por algum motivo maior, e que se esse jogo em que me enlacei aconteceu dessa forma tão eufórica, foi por fraqueza de espírito e completa incompreensão das ações suas.Você é uma criatura fascinante.Não te culpo pela minha angústia.Ela era apenas questão de tempo.Você me fez sentir vivo.Seus beijos até hoje me furtam a razão; seus abraços me aquecem e sua voz ecoa por todos os meus dias.Pena não poder mais te ouvir.Pena não poder mais ter-te junto a mim.Você me jogou em uma queda tão prazerosa que não percebi que sucumbia.Aquele vôo foi o ápice do meu prazer e da minha dor.Sei que essa colocação é um tanto quanto clichê e previsível, mas não dá para evitar esses acontecimentos.

Hoje concluo que tudo isso foi unilateral.Dessa forma: assombrado pelo seu fantasma; eu me despedi do mundo serenamente.Peguei a navalha que estava sobre a escrivaninha e passei-a com um rápido movimento em meus pulsos.Antes de repousar coloquei uma música melancólica que me fazia lembrar você.Deitei-me.Tentei escrever seu nome no ar umas duas ou três vezes, mas as imagens se embaralhavam e minhas mãos já não tinham forças.

As horas passaram devagar.O sangue caia no assoalho formando um caminho que não levava a lugar nenhum, mas que me acalantava. Aquilo que saía de mim, assim como essas palavras, era a forma mais bruta da verdade.Como todo bom ser humano, você irá ler esse pequeno acontecido e não irá compreender logo na primeira vez. O achará inútil, ridículo, assim como eu acharia – e o acho - , mas existem algumas coisas que precisam ser expurgadas de nossas mentes para não nos atormentar por toda uma eternidade, se é que ela existe.

Antes do meu fim eu vi você se aproximar pela última vez.Estava mais bela do que de costume.Seus vestido preto bailava com seus paços e com o vento que entrava pela janela.O lugar estava fresco e calmo.Sua fisionomia estava complacente com todo o clima.Abaixou-se.Colocou minha cabeça junto a seu colo e, como quem já soubesse de tudo, me arrebatou em um último beijo.

Morri feliz em seus braços e junto das minhas lembranças.

Nenhum comentário:

Postar um comentário