sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Quem morre primeiro.


Faltava uma hora. Coloquei minha jaqueta, peguei minha carteira, minhas chaves, celular e a arma. Verifiquei se ela estava engatilhada, girei o tambor e coloquei-a no coldre. Sempre gostei de vestir os acessórios de meu pai. Desde criança pegava o distintivo dele, seu coldre e até mesmo sua arma. Quando ele me pegava fazendo essas coisas, me dava um esporro que me deixava desorientado durante uma semana. Não me batia, mas me encarava com seus olhos de uma maneira tão repressora, que até hoje eu tremo só de pensar, e não são poucas as noites que eu acordo com esses velhos olhos me encarando.

Girei o tambor e coloquei-a no coldre. Fiz o meu trajeto de sempre. Peguei o elevador, caminhei pela rua até a padaria. Tomei um café, comprei cigarros e na saída passei na banca para comprar o jornal. Logo de cara, encontrei escrito com letras garrafais a manchete que dizia: “Será que o mundo acaba hoje ? – especialistas e estudiosos dizem que o mundo irá acabar hoje, mas quem acredita nessas especulações? (...)” eu acredito! O jornaleiro vira para mim e diz, o senhor acredita nisso? Dizem que o mundo vai acabar, falam nisso todo dia! Bando de imbecis! Pago o jornal e saio.

Será que o mundo acaba hoje ? (...)” sento no banco da praça, abro o jornal na página onde a noticia continua e sigo lendo. Termino. Me impressiona como essas notícias são colocadas para o povo de maneira sensacionalista. O povo gosta de frases de efeito e de previsões catastróficas para o futuro. Meu pai sempre me dizia que se o mundo fosse acabar um dia, seria pelos feitos dos próprios homens. Eu sempre acreditei nessa simples sabedoria. Na faculdade me diziam que as melhores teorias são aquelas que não tem rebarbas, e que explicam todas as coisas de maneira convincente. Teorias onde o sim é sempre sim, e o não, sempre não, não existindo meio termo.

Eu sempre acreditei nessa simples sabedoria. Acabei de ler o jornal, agora faltava vinte minutos. Dobrei-o e o coloquei em um canto do banco. Vi algumas crianças correndo junto de seus cachorros, ou seriam os cachorros correndo junto de suas crianças? Vi os velhos. Vi um que parecia um boneco de cera, sendo puxado em uma cadeira de rodas por uma enfermeira que parecia fazer muito esforço para movimentá-lo naquele piso irregular. Para aquela criatura, o mundo já havia acabado fazia tempo... nunca achei o estado vegetativo que algumas pessoas se encontravam, algo muito justo, pois ao meu ver, era a materialização da vontade de uma família em fazer de um de seus membros, um museu de lembranças.

Para aquela criatura o mundo já havia acabado fazia tempo. Agora, faltava pouco mais de cinco minutos. Acendi um cigarro e deitei-me no banco da praça. Com uma das mão, acariciava o cabo do revólver por dentro da jaqueta; na outra, acompanhava os minutos que faltava, além da fumaça que subia pelo ar. O dia estava claro e bonito para um fim tão trágico. A enfermeira havia parado o boneco bem na minha frente e ele, com em seu estado catatônico, me observava. Eu, observava o relógio e agora faltava um minuto.

O dia estava claro e bonito para um fim tão trágico. Levantei abruptamente. Faltavam quarenta e cinco segundos. Coloquei a arma do lado de minha cabeça. Faltavam trinta segundos. E com as minhas últimas esperanças gritei, vamos ver quem morre primeiro! Faltavam vinte segundos. Cai sobre o banco olhando para o boneco. Faltavam dez segundos. Iniciou-se uma correria por toda a praça enquanto uma onda de choque levantava e varria tudo o que encontrava pela frente. Faltavam cinco segundos. Com o pouco que me restou, vi aquele velho na cadeira de rodas soltar um sorriso enigmático e gesticular algo que eu entendi como: é o fim.

(Adriano Mariussi Baumruck)