quarta-feira, 24 de junho de 2009

Uma tradução de nossa gente.

Hoje digo pouco, pois acho que o título diz tudo.

Vício na fala

(Oswald de Andrade)

Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados







(Adriano Mariussi Baumruck)

domingo, 14 de junho de 2009

O muro.


Vermes consomem meu ser quando as lágrimas que habitam meu peito transbordam,vertendo não somente água, mas um pouco de mim.

Meu mundo escorre pelos dedos,como um rio indomável e forte,mas que acaba de secar.

Faço um furo na parede que me cerca,como quem parece preparar sua presa para o abate.Após tanto carinho,tudo realmente aparece como um relâmpago na noite,abre um clarão e,rapidamente,volta ao que sempre foi.

Fujo dessa arapuca como um pássaro que sai pela primeira vez do ninho,descobrindo que a liberdade pode ser amarga e a mais tenebrosa prisão.

Grito para o mundo real,mas estou cada vez mais mudo.


As palavras estão sem cor,sem força,mas continuam sendo cuspidas no muro,só mostrando uma cor:a cor do sangue,a do dinheiro,da guerra e dos meus pesadelos.

Pessoas raras não vêem o muro como uma barreira intransponível,mas transportam seus valores para ambos os lados;os demais não querem enxergar,pois dizem à seus iguais,que esses valores são imorais e que tais cores são capazes de cegar.

Triste ironia!

Eles falam dos cegos,sem saber que a ignorância presente nessa fétida massificação,é o que na verdade os impede de ver a beleza de um céu estrelado que brilha através do muro.

(Adriano Mariussi Baumruck).

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Ao mestre [3].

Caetano Veloso.



Cajuína
Caetano Veloso

"Existirmos: a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina."

Ao meu ver , essa composição é um dos diamantes lapidádos de nossa MPB.

(Adriano Mariussi Baumruck)

terça-feira, 2 de junho de 2009

Poesia vermelha.


Ao mestre soviético.

Bom pessoas , há um tempo que sou fascinado pela Rússia. O país tem uma cultura muito esquecida pelo mundo , visto que se fechou com uma grande cortina de aço , que alienou grande parte da população local.

O clima extremamente frio , ao meu ver , não fez com que as pessoas assim ficassem , uma vês que um dos movimentos mais acalorados da história – o socialismo – teve na terra dos Czares seu berço.

Outra coisa que me encanta , é o dialeto russo. Parecem códigos. A fala , parece algo de outro mundo e, realmente é.

É um mundo a parte , com uma maneira singular de encarar os fatos do cotidiano.
Já faz um tempo , que pelas forças do destino , caiu em minhas mãos um livro de um poeta dessa terra tão fria. Fiquei logo muito entusiasmado.

Foi até que engraçado , eu não sabia ler direito o nome do poeta , era uma junção de sílabas muito estranhas para mim , mas continuei em minha labuta.

Após descobrir que o poeta chamava-se Vladimir Maiakóvski , - não que eu não soubesse , mas demorei para poder ler seu nome corretamente – comecei a escavar a mina de sua obra , que para mim , (um pobre leitor que opta pela inovação , mesmo não sendo essa tão nova)vem se mostrando uma fonte inesgotável de inspiração , qualidade e paixão pelo fazer poético.

Separei então , um breve histórico sobre ele e alguns poemas de sua autoria.


Histórico:

Vladimir Maiakovski nasceu e passou a infância na aldeia de Bagdadi, nos arredores de Kutaíssi, na Geórgia, Rússia.

Lá cursou o ginásio e, após a morte súbita do pai, a família ficou na miséria e transferiu-se para Moscou, onde Vladimir continuou seus estudos.

Fortemente impressionado pelo movimento revolucionário russo e impregnado desde cedo de obras socialistas, ingressou aos quinze anos na facção bolchevique do Partido Social-Democrático Operário Russo.

Detido em duas ocasiões, foi solto por falta de provas, mas em 1909-1910 passou onze meses na prisão. Entrou na Escola de Belas Artes, onde se encontrou com David Burliuk, que foi o grande incentivador de sua iniciação poética. Os dois amigos fizeram parte do grupo fundador do assim chamado cubo-futurismo russo, ao lado de Khlebnikov, Kamiênski e outros. Foram expulsos da Escola de Belas Artes. Procurando difundir suas concepções artísticas, realizaram viagens pela Rússia.

Após a Revolução de Outubro, todo o grupo manifestou sua adesão ao novo regime.

Durante a Guerra Civil, Maiakovski se dedicou a desenhos e legendas para cartazes de propaganda e, no início da consolidação do novo Estado, exaltou campanhas sanitárias, fez publicidade de produtos diversos, etc. Fundou em 1923 a revista LEF (de Liévi Front, Frente de Esquerda), que reuniu a “esquerda das artes”, isto é, os escritores e artistas que pretendiam aliar a forma revolucionária a um conteúdo de renovação social.

Fez inúmeras viagens pelo país, aparecendo diante de vastos auditórios para os quais lia os seus versos. Viajou também pela Europa Ocidental, México e Estados Unidos. Entrou freqüentemente em choque com os “burocratas’’ e com os que pretendiam reduzir a poesia a fórmulas simplistas.

Foi homem de grandes paixões, arrebatado e lírico, épico e satírico ao mesmo tempo.
Suicidou-se com um tiro em 1930.

Obra:

Sua obra, profundamente revolucionária na forma e nas idéias que defendeu, apresenta-se coerente, original, veemente, una. A linguagem que emprega é a do dia a dia, sem nenhuma consideração pela divisão em temas e vocábulos “poéticos” e “não-poéticos”, a par de uma constante elaboração, que vai desde a invenção vocabular até o inusitado arrojo das rimas.

Ao mesmo tempo, o gosto pelo desmesurado, o hiperbólico, alia-se em sua poesia à dimensão crítico-satírica. Criou longos poemas e quadras e dísticos que se gravam na memória; ensaios sobre a arte poética e artigos curtos de jornal; peças de forte sentido social e rápidas cenas sobre assuntos do dia; roteiros de cinema arrojados e fantasiosos e breves filmes de propaganda.

Tem exercido influência profunda em todo o desenvolvimento da poesia russa moderna.

Poemas:


A FLAUTA-VÉRTEBRA

A todas vocês,
que eu amei e que eu amo,
ícones guardados num coração-caverna,
como quem num banquete ergue a taça e
[ celebra,
repleto de versos levanto meu crânio.

Penso, mais de uma vez:
seria melhor talvez
pôr-me o ponto final de um balaço.
Em todo caso
eu
hoje vou dar meu concerto de adeus.

Memória!
Convoca aos salões do cérebro
um renque inumerável de amadas.
Verte o riso de pupila em pupila,
veste a noite de núpcias passadas.
De corpo a corpo verta a alegria.
esta noite ficará na História.
Hoje executarei meus versos
na flauta de minhas próprias vértebras.

1915

(Tradução: Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman)

E então, que quereis?...

Fiz ranger as folhas de jornal
abrindo-lhes as pálpebras piscantes.
E logo
de cada fronteira distante
subiu um cheiro de pólvora
perseguindo-me até em casa.
Nestes últimos vinte anos
nada de novo há
no rugir das tempestades.

Não estamos alegres,
é certo,
mas também por que razão
haveríamos de ficar tristes?

O mar da história é agitado.
As ameaças
e as guerras
havemos de atravessá-las,
rompê-las ao meio,
cortando-as
como uma quilha corta
as ondas.

(1927)

Tradução: E. Carrera Guerra
In Maiakóvski — Antologia Poética,
Editora Max Limonad, 1987

O poeta-operário

Grita-se ao poeta:
"Queria te ver numa fábrica!
O que? Versos? Pura bobagem".
Talvez ninguém como nós
ponha tanto coração
no trabalho.
Eu sou uma fábrica.
E se chaminés
me faltam
talvez seja preciso
ainda mais coragem.
Sei.

Frases vazias não agradam.

Quando serrais madeira
é para fazer lenha.
E nós que somos
senão entalhadores a esculpir
a tora da cabeça humana?

Certamente que a pesca é coisa respeitável.

Atira-se a rede e quem sabe?
Pega-se um esturjão!
Mas o trabalho do poeta
é muito mais difícil.

Pescamos gente viva e não peixes.

Penoso é trabalhar nos altos-fornos
onde se tempera o ferro em brasa.

Mas pode alguém
acusar-nos de ociosos?

Nós polimos as almas
com a lixa do verso.
Quem vale mais:
o poeta ou o técnico
que produz comodidades?
Ambos!

Os corações também são motores.

A alma é poderosa força motriz.

Somos iguais.

Camaradas dentro da massa operária.
Proletários do corpo e do espírito.
Somente unidos,
somente juntos remoçaremos o mundo,
fá-lo-emos marchar num ritmo célere.

Diante da vaga de palavras
levantemos um dique!
Mãos à obra!

O trabalho é vivo e novo!

Com os oradores vazios, fora!

Moinho com eles!

Com a água de seus discursos
que façam mover-se a mó!

(Adriano Mariussi Baumruck)