sábado, 12 de novembro de 2011

Fragmentos - 2.

Sem título.
(Adriano Mariussi Baumruck)

Primeiramente eu a agarrei. Coloquei minha mão junto do lenço que ela carregava amarrado em seu pescoço e fui torcendo-o. Ela sempre teve um ótimo gosto para roupas. Era uma mulher de classe.

Logo ela foi para o chão. Montei sobre ela e pude me posicionar melhor. Pude ver seu rosto melhor. Olhei-a nos olhos e fixamente continuei meu serviço. Sobre a mesa meu jantar estava quente, porém, esfriava.

Posicionei-me melhor. Aqueles olhos verdes eram cortinas abertas, arregalados, arregaçados, deixando transbordar toda a alma de uma artista que se esvaia, porém, não era desesperada. Ela estava calma.

Certa feita ela pintou um quadro sobre nós dois. Era um quadro bastante simples sobre um casal que se beijava. Não possuía cenário e apresentava-se com poucas cores: o homem apresentava-se de maneira passiva enquanto a mulher, de maneira sórdida. Foi a única vez que ela fez isso.

A garrafa de uísque reluzia sobre a mesa, meu cigarro tornava-se cinzas no cinzeiro que ela me dera e "As flores do mal" estava aberta junto deles. Minhas mãos corriam por seu pescoço, destroçando-o, e as dela seguravam meus pulsos, me impedindo de interromper minha tarefa antes de concluí-la.

Ela respirava sobre minhas pernas. Cada vez menos... menos... menos...
Seus olhos fecharam-se e o que antes era uma figuração pacífica tornou-se horroroso e digno de pena. Era agora um animal morto e inútil. Uma carcaça completamente descartável, que sujava todo meu gabinete. Não havia sangue, mas havia um corpo que decompunha-se à olhos nus.

Levantei-me, afastei-me e bati minhas mãos algumas vezes nas calças. Jantei vagarosamente e ouvi Miles Davis após o jantar, enquanto eu submergia no uísque. Não sentia direito o fedor do corpo podre, pois esse se confundia com a lembrança do cheiro da costela e de meu cigarro. Tragava meu último cigarro assim como eu fora tragado por ela.

Andava pelo meu gabinete inquieto e infeliz, quando subitamente apaixonei-me pela figura deitada no chão. Deitei-me junto dela e sobre seu braço eu me aconcheguei. Não teria novamente aquela mulher. Chorei, e após ter chorado como uma criança medrosa que perde seu mais valioso brinquedo, eu adormeci.

Minha cabeça e meu corpo estavam deitados no assoalho frio daquele lugar. Bem que alguém poderia ter entrado lá, visto a cena e amaçado minha cabeça com um paralelepípedo, mas infelizmente não ocorreu.

Eu aproveitava a última vez que estaria junto dela. Adormeci profundamente, porém, não foi um sono com sonhos ou pesadelo, foi pior. Foi um sono vazio, onde o corpo não descansa e a mente trabalha compulsivamente. Nada vinha à minha mente, mas eu podia sentir que ela respirava junto de meu rosto.

Passado um longo tempo e com o meu corpo todo dolorido eu acordei. Não me lembro direito do que ocorreu, mas toda a louça estava lavada, minha cigarreira estava arrumada junto de meus livros, minha garrafa de uísque continuava pela metade , mas ela não estava mais lá. Fazia frio. Coloquei meu casaco e no bolço encontrei um bilhete que dizia:

“O homem louco se suicidou. Com amor”.



6 comentários:

  1. Muito BOM!

    O final deu luz ao texto!

    Abraços

    Mirze

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  2. e me pergunto, qual foi o homem que restou?

    um abraço pra ti!


    [olá, a pedido da Laura Alberto, do Im.Possibilidades, gostaria de saber se podes permitir comentário de anônimos. Ela gostaria de comentar aqui, mas a conta google não a reconhece, coisa de poeta...rs. obrigada]

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  3. Quanto ao pedido da Laura Alberto:
    Não sou muito fã de comentários anônimos, mas, sim, para vocês tudo bem!

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  4. Obrigada :)

    eu também não gosto, mas antes de perder os comentários da Laura, preferi abrir as permissões.

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  5. Bravo! Ele voltou: abandonou as revoltas orgiásticas de sua faculdade e veio cheio de prosa e voracidade! Muito bom, meu caro! Agora só faltam as visitas prometidas e decantadas aos Morcegos (é fim de ano, hein?! Rs.).

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