O encontro.
(Adriano Mariussi Baumruck).
Era uma manhã tranqüila, a cidade estava acordando,aquecendo seus motores para mais um longo dia de trabalho.As 24 horas eram sempre iguais, com seus mesmos minutos, mesmos segundos, mas com fatos distintos e as vezes inacabados.
O dia estava agradável,os raios de sol mostravam no horizonte o contorno daquela espécie de cemitério composto por prédios de formas geometricamente perfeitas,mas pontuado por pessoas moralmente corrompidas, que começavam a sair de seus ninhos.Para elas, nem todo dia era um belo dia.
Para os animais, o dia já havia começado há horas e a praça continuava quieta,sombria e bela.Os pássaros aglomeravam-se nas arvores floridas,para assim, sentirem melhor seu perfume ou pegar alguma migalha dos raios que esquentavam suas penas.
A relva tornava-se cada vez mais verde com o passar das horas;e assim o dia continuava.
Na beira do lago, o banco até então vazio, recebe a companhia de um senhor cego que adorava , assim como os pássaros, sentir o calor dos raios solares pela manhã.
Pena não poder ver o sol... mas senti-lo já é uma dádiva, dizia o senhor ao acomodar-se.
Sabia que nunca mais iria poder ver a natureza, a cidade, ou qualquer coisa do mundo, mas não se amedrontava, enfrentava a vida com toda a força que lhe cabia.Adorava caminhar por aqueles campos, mesmo com dificuldade,para depois descansar naquele velho banco.Achava que assim a vida passava mais devagar e que atrasava a chegada da morte.
Nunca temeu nada,nem vivo,nem morto.Achava que temer as coisas era fazer-se pequeno diante do mundo e,com isso,acreditava que tudo tinha um propósito de ser.
O único fato que lhe assombrava era que sentia-se sozinho naquele lugar.Eram poucas as pessoas que passavam por ali;aliás, eram poucas as pessoas que paravam para contemplar a vida.
Já que ela passa tão rápido,e que os dias,dentro de seus fatos estranhos são sempre iguais,acreditava que um ser humano são,deveria desperdiçar algum tempo para sentir a vida passar.O vento toca os cabelos,assim como a vida segue,levando tudo o que acontece.
Nesse dia, ele sabia que não estava sozinho.Mesmo que sentir-se só naquele lugar o incomodasse profundamente,pensar na presença de um desconhecido o deixava preocupado e curioso.Poderia ser uma boa companhia,mas o que iriam querer com um velho cego?Nada de pior poderia acontecer.
E se fossem más pessoas?
-Não sei... sentia a presença de alguém, ou dealgum grupo, mas não sabia quem eram ou onde estavam.
A Morte era sua fiel companheira.Havia escapado do ceifado várias vezes,por isso julgava-se ser um homem de sorte.Onde já se viu um cego fugir da morte? Por isso,não a temia;sabia que esse era um final para todos nós e, que junto com ela,além da dor,vinha a paz.
Muitos românticos pagam caro por esse estado de paz,embarcando assim em uma viagem sem volta.Invejava os suicidas pela coragem, a qual ele nunca teve.
Nunca havia amado,mas conhecia esse sentimento das inúmeras músicas que ouvira e dos vários livros que lera antes de ficar cego.Não se acostumava com o braile,aqueles pontos o incomodavam, e além do mais,ele não conseguia imaginar as coisas com as pontas dos dedos.Meus olhos estão na cabeça e não nas mãos.A música sim era sentida com o corpo inteiro e com a alma.
Ele só não sabia que presentes neste lugar, estavam , um casal que se suicidara ao lado do banco.
Se pudesse ver,notaria a beleza de tal tela viva.O sangue de ambos parecia um rio que desbravava a mata virgem até desaguar no mar das emoções não concretizadas.O vermelho refletia o brilho do céu e a luz do mundo.
Os corpos enroscavam-se,rosavam-se e acariciavam-se em uma experiência única.Um prazer divino parecia ter tomado conta dos dois, e o corpo sucumbido a tal acontecimento.
A face de ambos mostrava a serenidade angelical do amor,junto com a alegria diabólica da paixão.Ambos sorriam.As cabeças abertas eram a nascente do rio que corria mata à fora.
A arma descansava ao lado dos dois,ela havia trabalhado muito na noite anterior.Duas balas certeiras levaram duas vidas jovens para o outro lado.
A relva tornava-se cada vez mais verde com o passar das horas e assim o dia continuava.
sylvia plath / os anos
Há 11 horas
O tipo de desfecho que eu teria escrito anos atrás.
ResponderExcluirMinhas crenças e convicções mudaram com os anos.
Talvez eu seja como o cego.Apreciando o vento nos cabelos, enquanto o sangue alheio flui sem que eu note.
Mas tenho tentado 'ver' com outros sentidos.
As presenças, as sinto como antes.Você não as sente?
Algumas são o arrepio nos momentos de deleite mórbido.
Mas também há as que me confortam quando me inquieto.
'Contos Malditos'.Ótimo título.
Inquietante.Gerando vários questionamentos e reflexões.
Quanto aos amantes suicidas, talvez eles apenas estejam também cegos para o mundo contemplado pelo cego.
2010, e continuo seguindo o blog.
Grato pelos momentos de reflexão.