Faltava uma hora. Coloquei minha
jaqueta, peguei minha carteira, minhas chaves, celular e a arma. Verifiquei se
ela estava engatilhada, girei o tambor e coloquei-a no coldre. Sempre gostei de
vestir os acessórios de meu pai. Desde criança pegava o distintivo dele, seu
coldre e até mesmo sua arma. Quando ele me pegava fazendo essas coisas, me dava
um esporro que me deixava desorientado durante uma semana. Não me batia, mas me
encarava com seus olhos de uma maneira tão repressora, que até hoje eu tremo só
de pensar, e não são poucas as noites que eu acordo com esses velhos olhos me
encarando.
Girei o tambor e coloquei-a no
coldre. Fiz o meu trajeto de sempre. Peguei o elevador, caminhei pela rua até a
padaria. Tomei um café, comprei cigarros e na saída passei na banca para
comprar o jornal. Logo de cara, encontrei escrito com letras garrafais a
manchete que dizia: “Será que o mundo acaba hoje ? – especialistas e estudiosos dizem que o mundo
irá acabar hoje, mas quem acredita nessas especulações? (...)” eu acredito!
O jornaleiro vira para mim e diz, o senhor acredita nisso? Dizem que o mundo
vai acabar, falam nisso todo dia! Bando de imbecis! Pago o jornal e saio.
“Será que o mundo acaba hoje ?
(...)” sento no banco da praça, abro o jornal na página onde a noticia
continua e sigo lendo. Termino. Me impressiona como essas notícias são
colocadas para o povo de maneira sensacionalista. O povo gosta de frases de
efeito e de previsões catastróficas para o futuro. Meu pai sempre me dizia que
se o mundo fosse acabar um dia, seria pelos feitos dos próprios homens. Eu
sempre acreditei nessa simples sabedoria. Na faculdade me diziam que as
melhores teorias são aquelas que não tem rebarbas, e que explicam todas as
coisas de maneira convincente. Teorias onde o sim é sempre sim, e o não, sempre
não, não existindo meio termo.
Eu sempre acreditei nessa simples
sabedoria. Acabei de ler o jornal, agora faltava vinte minutos. Dobrei-o e o
coloquei em um canto do banco. Vi algumas crianças correndo junto de seus
cachorros, ou seriam os cachorros correndo junto de suas crianças? Vi os
velhos. Vi um que parecia um boneco de cera, sendo puxado em uma cadeira de
rodas por uma enfermeira que parecia fazer muito esforço para movimentá-lo
naquele piso irregular. Para aquela criatura, o mundo já havia acabado fazia
tempo... nunca achei o estado vegetativo que algumas pessoas se encontravam,
algo muito justo, pois ao meu ver, era a materialização da vontade de uma
família em fazer de um de seus membros, um museu de lembranças.
Para aquela criatura o mundo já
havia acabado fazia tempo. Agora, faltava pouco mais de cinco minutos. Acendi
um cigarro e deitei-me no banco da praça. Com uma das mão, acariciava o cabo do
revólver por dentro da jaqueta; na outra, acompanhava os minutos que faltava,
além da fumaça que subia pelo ar. O dia estava claro e bonito para um fim tão
trágico. A enfermeira havia parado o boneco bem na minha frente e ele, com em
seu estado catatônico, me observava. Eu, observava o relógio e agora faltava um
minuto.
O dia estava claro e bonito para
um fim tão trágico. Levantei abruptamente. Faltavam quarenta e cinco segundos.
Coloquei a arma do lado de minha cabeça. Faltavam trinta segundos. E com as
minhas últimas esperanças gritei, vamos ver quem morre primeiro! Faltavam vinte
segundos. Cai sobre o banco olhando para o boneco. Faltavam dez segundos.
Iniciou-se uma correria por toda a praça enquanto uma onda de choque levantava
e varria tudo o que encontrava pela frente. Faltavam cinco segundos. Com o
pouco que me restou, vi aquele velho na cadeira de rodas soltar um sorriso
enigmático e gesticular algo que eu entendi como: é o fim.
(Adriano Mariussi Baumruck)